Quinta-feira, 25 de novembro de 2004
NO MÍNIMO - TUTTY VASQUES
A falácia do fim do mundo
05.11.2004 Não tem jeito: o ser humano não vai se acostumar nunca consigo mesmo. Protagonista de tudo o que há de errado na face da terra, essa raça recusa-se a reconhecer a estupidez recidiva em semelhantes. Agora mesmo, a maioria das pessoas que conheço parece em estado de choque com o resultado das eleições nos EUA, como se fosse a primeira vez que os americanos nomeiam um Bush para organizar o apocalipse. Em resumo, quero dizer o seguinte: o mundo acaba todos os dias faz tempo, mas neguinho não perde a capacidade de se surpreender com a trágica rotina do planeta. Pelamordedeus, não se deprima com isso.
Essa é – ou tem a pretensão de ser – uma mensagem de otimismo: até prova em contrário, o fim do mundo só existe no sentido figurado. É o cara que bate na mulher, o motorista que trafega no acostamento, o político que mete a mão no dinheiro público, o valentão da boate, os menores de rua, a fome, os preconceitos, as guerras, o desemprego, a intolerância, o Haiti... O ser humano está vivo de ruim! Somos capazes de sobreviver a tudo, aí incluídos four more years e o escambau. Era isso, fundamentalmente, o que eu queria dizer ao amigo que encontrei no dia do juízo final das eleições americanas destilando angústia num canto de corredor da Vídeo Filmes, onde funciona a redação de NoMínimo. O cara estava olhando pro nada, a mão direita atada à esquerda sobre o omoplata, a testa franzida, pânico. Cheguei mais e ele se abriu: “Não sentia bode igual desde o terceiro gol do Paulo Rossi na Copa da Espanha.” E por acaso o mundo acabou em 1982?
O velório do planeta começou, salvo engano, na Babilônia de Nabucodonozor (600 a.c) e ganhou adeptos em todo mundo após a crucificação de Cristo. Aquilo, francamente, foi uma barbaridade que os americanos de hoje em dia não se atreveriam a repetir nem com Saddam Hussein. Nero, Hitler, Stalin, Torquemada e Garotinho; Collor, Elias Maluco e Átila, o Huno; Idi Amin e Slobodan Milosevic. Cá pra nós, Bush não tem vaga nesse time. O fato de uma nação de idiotas consagrá-lo líder configura tão-somente uma questão de coerência do estúpido com a estupidez. Daí a imaginar que a vida a partir de agora será muito pior do que nos tempos de Jimmy Carter ou Elvis Presley, sei lá, tenho minhas dúvidas.
O que no fundo, no fundo eu queria dizer – tomara que o amigo deprimido que inspirou este artigo não me ouça – é o seguinte: não há nada mais cafona do que a desilusão do ser humano com sua própria raça por causa da reeleição de George W. Bush. Melhor reagir aos fatos fazendo o que é possível para tornar a existência mais agradável. Como ensinou um certo Monsieur Boudet em Paris a Mario Sergio Conti, “levar os filhos para a escola, a pé, é uma das melhores coisas da vida”. A propósito, é impressionante a transformação que a França processou no jornalista, que já foi considerado o fim do mundo em pessoa.
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