Terça-feira, 23 de novembro de 2004
NO MÍNIMO - ZUENIR VENTURA
23.11.2004 Num lugar, você lê que daqui a pouco talvez se possa chegar aos 100 anos de idade em boa forma e com grande disposição. Isso evidentemente, se o mundo não acabar antes. Aliás, não sei nem se é vantagem tanta longevidade, porque do jeito que as coisas vão, tem hora que dá vontade de mandar parar para descer antes. Ou então pedir para dar aquela congelada e só voltar daqui a uns 50 anos, quando não houver mais tanta baixaria (o problema é que não adianta, há males que sempre duram).
Em outro lugar, aprende-se que, ao contrário, é inútil se precaver: tudo aquilo que você fez por recomendação médica para manter sua saúde – testes, exames preventivos, controle, revisão – não tem mais o menor valor, ou melhor, pode até ter, mas pode também não ter, o que aumenta sua insegurança. Segundo a repórter Laura Capriglione, da “Folha”, “o check-up está em xeque. O questionamento vem do país que o inventou”.
Ela conta que médicos e estatísticos americanos, numa operação conjugada e cruzando dados, chegaram a algumas conclusões desanimadoras. Por exemplo, são de eficácia relativa para detectar muitos tipos de câncer todos aqueles aparelhos mágicos, aquela parafernália tecnológica a que a gente se submete regularmente: ultra-sonografia, raio-X, tomografia computadorizada, eletrocardiograma.
Utilizando uma tabela de notas, a agência americana especializada em cuidados com a saúde analisou sete tipos de avaliação e destes só dois obtiveram “A”, o maior conceito, já que “os benefícios superam substancialmente os danos”: o exame Papanicolau, que detecta o câncer do colo de útero, e a medição de pressão arterial. A mamografia recebeu nota mais baixa, “B”, e o exame clínico e o auto-exame, ambos de mama, se saíram pior ainda: tiveram “I”. Esta mesma nota recebeu o conjunto de tomografia computadorizada, raio-X de tórax, análise de escarro para detectar o câncer de pulmão. Dois outros exames com máquinas tiveram nota “D”: a ultra-sonografia transvaginal para detectar o câncer de ovário e o conjunto de eletrocardiograma de repouso, teste ergométrico ou tomografia computadorizada para doenças coronárias.
No que diz respeito à ameaça que mais nos persegue a nós, velhos varões, o do câncer de próstata, o resultado é muito ruim; a nota é “I”, com a explicação de que as evidências são “insuficientes para recomendar ou contra-indicar o exame de rotina”. Que dizer: todas aquelas coisas desagradáveis que só poupam os jovens não adiantam muito. Deixo aqui o meu protesto.
De tudo o que os médicos me obrigaram a fazer para não ser surpreendido por uma doença, só lamento mesmo ter-me submetido passivamente (com e sem trocadilho) a esse procedimento médico medieval, tão desconfortável para o homem – para mim, pelo menos. Como tem senhoras na sala, usarei um eufemismo bem moderno para nomeá-lo: a inclusão digital (digital, vocês sabem, vem de dedo). Quem já sofreu e não se acostumou, não fez a opção preferencial, deve concordar comigo. Ou não?
De minha parte, da próxima vez, quando o dr. Paulo calçar a luva e mandar eu virar, direi com o recorte do jornal na mão: “Aqui, ó, no meu não mais!”.
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